O uso de jogos no EAD versus as Fábricas de Conteúdo

O mercado de EAD (E-Learning) anseia por jogos há algum tempo. Porém, ao contrário do que se imaginava há uns anos atrás, hoje em dia ainda não é muito comum o uso de jogos no ensino a distância. Na verdade, os jogos acabaram sendo mais utilizados apenas como forma de reforçar ou testar o conhecimento dos alunos em simples atividades lúdicas tais como palavras cruzadas, forca, etc. Sinceramente, é muito pouco, ainda mais se pensarmos no potencial que um jogo tem na área de educação e treinamento.

Um dos motivos para o pouco uso efetivo dos jogos no e-learning, ou seja, cursos inteiros montados em forma de jogo, se dá devido ao seu alto custo e tempo de produção. Pelo menos é o que diz boa parte dos especialistas. Eu concordo que este é um dos motivos usados pelo mercado, mas discordo dos que julgam que isso é realmente um motivo que impediria o uso dos games no e-learning. Explicarei mais adiante o porquê discordo.



Voltando ao argumento de que os jogos possuem um alto custo e demandam muito tempo de produção, isso é considerado principalmente quando vemos que o mercado tem utilizado cada vez mais os cursos produzidos via Fábrica de Conteúdo. Para quem ainda não conhece, “Fábricas de Conteúdo” são modelos pré-concebidos de cursos. São cursos montados a partir de Objetos de Aprendizagem (pedaços ou elementos que compõe um curso de ead), aplicando neles apenas o conteúdo. É como um LEGO, onde você monta o curso juntando pedaços e incluindo neles um conteúdo.

Isso torna a produção do curso mais rápida e barata, tudo o que o mercado quer!

Porém, apesar de todo o esforço em pesquisas e novas técnicas para tentar manter uma eficiência na questão pedagógica de tais cursos montados desta forma, a verdade é que eles perdem muito em qualidade. E me refiro a qualidade como um todo, ou seja, visual, interativa e claro, pedagógica. A maioria dos alunos considera cursos assim extremamente chatos e ineficientes. E de fato, são mesmo.

O mais incrível é que este padrão de curso acabou deixando todos os envolvidos parcialmente desgostosos. Da parte de quem produz, vejo desenhistas instrucionais ótimos e criativos tendo que produzir cursos assim, na maioria das vezes a contra gosto. Vejo pouco estímulo intelectual para eles, e também para os programadores, designers e toda equipe de produção. Da mesma forma, os próprios donos de empresas de EAD também ficam chateados de não poderem dar ao cliente algo realmente de maior qualidade e eficiência pedagógica. Mas o fazem, porque sabem que se não fizerem este tipo de curso, outro fará e roubará seu cliente. Afinal de contas, ele dará algo mais barato e em tempo menor de entrega (leis de mercado).

E da parte do cliente, os responsáveis pelo setor de RH e Treinamento também iriam preferir um curso melhor elaborado, porém, se rendem aos produzidos em massa por uma questão financeira (possuem X orçamento e precisam fazer tudo dentro deste limite).

Pois muito bem, diante deste cenário é que se concluiu que os jogos, apesar de todo seu potencial, terão um espaço bem menor no mercado de elearning do que aquele que se imaginava. E é neste ponto que sou obrigado a discordar de tal conclusão.

Acredito que seja possível sim criar um projeto de jogo que consiga diminuir muito suas despesas e tempo de produção, principalmente em modelos de jogos recorrentes. Da mesma forma que se criaram Objetos de Aprendizagem para os cursos tradicionais de elearning, é possível também criar Objetos Lúdicos de Aprendizagem para cursos em formato de jogos no elearning.

Com tais elementos, é possível criar jogos de qualidade que atendam a demanda do mercado. Talvez seu custo e tempo de produção ainda fiquem um pouco superior ao de cursos tradicionais da Fábrica de Conteúdo, porém algo possível de ser vendido, ainda mais quando se considerarem as vantagens pedagógicas de tais jogos.

E quais os desafios de um projeto assim? Bom, eles existem, mas podem ser superados.

1- Tempo e dinheiro iniciais para a criação dos primeiros elementos de jogos com alta qualidade e potencial. Serão os primeiros Objetos Lúdicos de Aprendizagem, que servirão de base inicial para a criação dos games no elearning;

2- Dependendo do conteúdo e modelo de game, negociar um tempo e valor pouco maiores do que o mercado normalmente exige, de modo que dê tempo para o educational game designer (um desenhista instrucional de games) e sua equipe elaborarem com qualidade as novas peças que faltam para criarem o jogo. Estas peças se juntarão as existentes no banco de Objetos Lúdicos de Aprendizagem para uso em futuros jogos;

3- Um profissional capacitado para comandar e gerenciar a produção dos Objetos Lúdicos de Aprendizagem. É preciso perceber que os conceitos utilizados para sua criação e classificação, além das diretrizes de uso e de criação de novos elementos, são diferentes daqueles utilizados nos Objetos de Aprendizagem comuns. Ou seja, um desenhista instrucional padrão não teria a visão e conhecimento de conceitos de jogos para realizar esta função. Da mesma forma, um especialista apenas em games também não teria o conhecimento da área de elearning e ensino-aprendizagem para desenvolver este projeto. Seria preciso alguém com estudo e prática em ambos os universos, o que não é muito fácil de achar atualmente no Brasil.

Porém, conforme mencionei antes, apesar de serem desafios importantes e difíceis, eles podem ser superados. A produção dos primeiros Objetos Lúdicos de Aprendizagem e a estrutura dos jogos com estes elementos básicos, pode ser realizada com uma equipe inicial contratada (ou realocada na empresa) especialmente para esta função, o que encurtaria a despesa e tempo de produção. Já o tempo e custo para novos games seriam cada vez menores, na medida em que novos elementos são produzidos a cada novo projeto, ampliando assim o banco de objetos lúdicos de aprendizagem. E a respeito da contratação de um especialista, isso deve ser feito no começo, antes de iniciar o projeto, para que ele possa desenvolver e projetar todos os detalhes antes de qualquer produção. A dificuldade fica por conta da busca de tal profissional qualificado, mas uma vez encontrado, o problema é superado.

Deste modo, é possível sim termos cursos em formato de jogos dentro do EAD que consigam competir no mercado contra as Fábricas de conteúdo nos quesitos de tempo e custo, mantendo a maioria dos benefícios que um jogo potencialmente possui nesta área.

Antes de encerrar o post eu gostaria de fazer duas observações importantes. A primeira é dizer que tais jogos, criados neste modelo, jamais terão todo o seu potencial explorado quanto um jogo projetado e produzido exclusivamente para um conteúdo único de EAD. Ainda assim, estes jogos conseguiriam explorar parte do seu potencial, suficiente para torná-los mais eficientes, com melhor estrutura pedagógica, mais divertidos e com qualidade superior aos cursos padrões.

A segunda observação diz respeito a competência da pessoa que vai gerenciar o projeto e o educational game designer contratado. Em alguns casos o próprio educational game designer cumpre esta função de gerenciar o projeto na questão técnica. É importante que esta pessoa tenha competência e conhecimento em ambas as áreas: games e e-learning. Sem isso, é capaz dele projetar elementos lúdicos que na verdade não são tão lúdicos, ou interações que são cheias de ”vícios” das interfaces de cursos a distância, ao invés de elaborar a interface de um jogo. Ou então, se for um profissional apenas da área de games, poderá projetar interações demasiadamente complicadas, por se esquecer que parte de seus usuários serão pessoas desacostumadas a jogos. Além de acabar deixando o lado do ensino-aprendizado sem real eficiência. Outro ponto importante é que este profissional provavelmente ajudará também sua equipe na produção, caso seja uma equipe acostumada apenas a cursos à distância, e não a jogos. Os games possuem características visuais que são diferentes de um curso a distância, e somente quem está acostumado a criação de games sabe defini-las e identificá-las. Ou seja, a pessoa realmente precisa ter conhecimento em ambos as áreas para o sucesso do projeto.

Se tiver e se for investido tempo e dinheiro com uma equipe competente, certamente o sucesso estará garantido e trará para a empresa excelentes ganhos financeiros, qualidade e visibilidade no mercado nacional e até internacional.

[Atenção: infelizmente muitos dos meus artigos estão sendo copiados ilegalmente por outros sites/blogs. Em alguns casos os donos de tais sites/blogs se colocam como autores dos textos. Um total absurdo e falta de ética. Peço por favor que se você encontrar este artigo ou parte dele em outro site, me informe através do meu e-mail de contato, no final da página ‘sobre mim‘. Muito obrigado.]


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11 respostas para O uso de jogos no EAD versus as Fábricas de Conteúdo

  1. Roberto A. disse:

    Sr. Peter, muito bom o artigo. Trabalho nesta área de e-learning e concordo com sua visão sobre o formato utilizado de forma inadequada na produção de muitos cursos. Fiquei muito interessado neste modelo ou plataforma de serious games proposto por você para o mercado de EAD. Se possível escreva mais a respeito. O blog como um todo também foi uma grata surpresa para mim. Visitei alguns blogs sobre jogos e o seu foi um dos que mais gostei. Principalmente pela qualidade do conteúdo e esta ligação que o senhor sempre faz entre os jogos e o campo da educação. Parabéns, voltarei mais vezes aqui.

  2. PeterMr disse:

    Olá Roberto. Obrigado pelos elogios ao blog. Outros posts sobre este assunto ainda serão postados futuramente. Abraços.

  3. Hugo Dom. disse:

    Totalmente de acordo!
    Hoje em dia as empresas preferem a automatização (aprendizagem gestão e avaliação) quando confrontadas com a possibilidade de desenvolverem cursos para elearning. E as empresas produtoras de conteúdos vão atrás do desejo do cliente, por mias que tentem oferecer soluções mais imersivas.
    Também vivo com esse dilema na Avanzo…mas como contornar esta situação?

  4. PeterMr disse:

    @Hugo

    O ideal seria mudar o pensamento das empresas-cliente, pois no fundo deveria partir delas o interesse em soluções mais ricas e melhores pedagogicamente. Como isso ainda está longe de acontecer, o que as empresas de EAD podem fazer é buscar um meio termo, ou seja, apresentar soluções mais lúdicas e interessantes, ao mesmo tem que sejam produzidas por meios que permitam manter ainda um bom custo e bom prazo ao cliente. Talvez seja necessário um custo e prazo um pouco maiores, mas com um ganho pedagógico ainda maior para o cliente (esta opção deverá ser dada ao cliente, através de boas argumentações e uso de demos e imagens). Uso de versões standalone com opção de personalizar logo, nome, etc, também é outra boa opção. Abraços.

  5. PeterMr.
    Achei de muito boa qualidade sua reflexão e gostaria, citando devidamente os créditos, postar esta tua reflexão em meu blog. Seria possível?

  6. PeterMr disse:

    @Josias

    Claro, fique a vontade. Fico feliz de saber que gostou. Só peço para que cite apenas uma parte e coloque um link para o meu site no caso de alguém querer ler tudo. Isso porque o Google considera página duplicada quando encontra duas páginas na web com o mesmo conteúdo, principalmente o mesmo parágrafo inicial. Isso pode trazer problemas para ambos os sites. Abraços!

  7. Alexandre Bigheti disse:

    Nunca tinha ouvido o termo de EAD com Game. Acredito que num futuro talvez funcione. Todavia seu blog é muito rico em informações e verdades do dia-a-dia educacional. Parabéns!

  8. Vicente disse:

    O senhor tem alguma indicação de jogos para trablhar linguagem de programação tipo linguagem C, java, delf e outros, quais?

  9. PeterMr disse:

    @Vicente Não entendi bem a sua pergunta. Jogos que ensinem programação? Ou jogos que tem código aberto em uma dessas programações?

  10. Paula Piccolo disse:

    Peter, o texto é seu, eu sei. Mas eu assino embaixo!!!
    “Seria preciso alguém com estudo e prática em ambos os universos, o que não é muito fácil de achar atualmente no Brasil.”
    Nós também já identificamos essa falha e estamos trabalhando/estudando para resolvê-la! E também acabar com o mito de que jogo é coisa só de criança.

  11. REGINA FELICIO disse:

    Olá o artigo é excelente.
    Eu trabalho com EAD e com jogos e na última semana me foi passada a missão de criar esses objetos para o núcleo de EAD de onde trabalho. Também venho pesquisando sobre o tema por conta da minha Tese de Doutorado.

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